Holofernes e João Batista

O Erotismo na Arte do Século 20 foi o tema escolhido por Camille Paglia para a palestra realizada em Salvador, no TCA, na última quarta-feira. Bem interessante, embora, talvez, o formato escolhido pela autora tenha sido equivocado e extenso demais para um evento num teatro. Mesmo assim, deixou reflexões importantes sobre a forma como o erotismo foi retratado no século passado, período de intensas reformulações na relação do ser humano com a imagem.
Começou com o quadro “Danaë”, de Gustav Klimt, mostrando a mulher sensual e inacessível, imagem que, segundo a escritora pós-feminista, fascina os homens através dos tempos. Danaë, do mito grego, vive trancada numa torre para preservar sua “pureza”, mas isso não impede o olímpico Zeus de “possuí-la” transformando-se numa chuva de ouro. Metáfora desse voyeurismo masculino, da ânsia do olhar, da vontade de retratar como forma de possuir, de controlar.
Em sua exposição, Camille Paglia passeou por imagens de mulheres inatingíveis, calipígeas, voluptuosas, misteriosas e até cruéis, indo de vaginas dentatas a cortadoras de cabeças bíblicas como Judith e Salomé. Sempre baseando-se na fixação do homem por essas imagens, mostrou mais de 60 imagens. Muitas delas óbvias, bastante conhecidas e dissecadas pelos estudiosos da arte.

O quadro de Frida Kahlo “O Abraço Amoroso entre o Universo, a Terra (México), Eu, o Diego e o Señor Xólotl” mostra um pouco dessa mudança de mãos do poder. A chegada ao ponto de inflexão, segundo Paglia, estaria patente na tela “Portrait de Madame Allan Bott”, de Tâmara de Lempicka, com seu glamour e art nouveau. E, para mostrar a maior abertura na forma do olhar o erótico, Camille Paglia termina o Século 20 apresentando fotos de Helmut Newton.
Nas questões finais da platéia, a escritora se soltou um pouco do esquema quadrado da apresentação e falou sobre a discussão de papéis mais atuais. Camille Paglia concorda com a opinião dominante de que os homens estão confusos e que as mulheres não sabem muito bem o que querem porque conquistaram junto com os merecidos direitos algumas coisas que não desejavam do mundo masculino, como a competição desenfreada. De qualquer forma, ela emendou que mesmo Freud tentou explicar alma feminina e não conseguiu.

Concordo com ela (e com Freud). Estou lendo um livro chamado “Mulheres que Correm com os Lobos”, que Andréa Lemos me emprestou. A autora, Clarissa Pinkola Estés, tenta explicar as várias dimensões da alma feminina através dos mitos adultos ou infantis que falam sobre a mulher selvagem.
É bem interessante. Mas, para mim, que convivo com esse universo desde minha mãe, avós, irmãs, professoras, ex-mulher, filha, ex-namoradas, colegas de trabalho e tantas amigas, ainda é algo muito misterioso o mundo profundo e complexo da alma feminina. Seguindo a tese de Camille Paglia, a arte talvez seja um dos melhores caminhos para tentar compreende-lo um pouco mais.