Mostrando postagens com marcador Italo Calvino. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Italo Calvino. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

IMPERMANÊNCIAS 49


Cidades Invisíveis




As cidades e a memória - 2

(Italo Calvino)

O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.

terça-feira, 18 de março de 2008

IMPERMANÊNCIAS 20


Bernard-Henri Levy e

o intelectualismo dândi



Ontem à noite, na saída da palestra de Bernard-Henri Levy, conversei com Mariana, Simone, Josélia, Simanca, Tiago, Marta e Ana Helena. Acredito que havia algo em comum a todas as opiniões, ou seja, um certo sentimento de que faltou alguma coisa.

Na realidade, acho que a média das expectativas era grande demais e por mais que o palestrante demonstrasse seu notório saber, em nenhum momento aconteceu aquilo que todo mundo esperava: uma grande afirmação filosófica que mexesse com as nossas crenças pessoais, que nos colocasse de frente a uma interrogação nova e inquietante, que nos deixasse – como diz a sabedoria popular – com a pulga atrás da orelha.

Apresentado como o supra-sumo do pensamento francês da atualidade, BHL provou ser mesmo o grande filósofo pop-star. Um homem de mídia, um showman, um dândi que passeia sobre conceitos do pensamento francês do século passado, alimentando-se de nomes como Sartre e Malraux, aproveitando-se, ao mesmo tempo, apenas daquilo que lhe interessa.

A palestra de BHL passeou por temas que são hoje “standard” no pensamento mundial, criticando o totalitarismo e o nazismo, e também festejando a morte do já apodrecido comunismo. Num discurso surrado de direita, fez a sua elegia aos Estados Unidos – única coisa surpreendente, já que isso é raríssimo no pensamento francês (excetuando a histórica presença de Tocqueville, nome em que os defensores da globalização se apoiaram de forma comensal).

O que mais chama a atenção foi a falta de algo novo e talvez isso não seja mesmo culpa de BHL (nem da fraca tradução simultânea), mas da falta de originalidade do pensamento ocidental atual. Se, ao falar contra o totalitarismo, o filósofo francês entrasse na questão da indústria cultural, talvez trouxesse algo de quase novo. Talvez. Mas, nem isso.

De aproveitável, fica um dos pontos citados como o papel do intelectual na cidade: o de gerar a dúvida. Interessante. Nada de novo, mas interessante. E que dúvida BHL nos trouxe na palestra? Talvez a dúvida de que existe um novo pensamento, não cooptado pela indústria cultural, nem rançoso com o messianismo de uma esquerda que já feneceu diante da luz do sol.

Eu tenho verdadeira alergia daquelas resenhas à moda da Folha de São Paulo dos anos 80, escola de matinas Suzuki, onde a ordem era descer a lenha. Quanto mais ácida, irônica, destrutiva e cruel era a resenha, mais inteligente ela era considerada. Não se trata disso aqui. O problema das idéias de BHL foi realmente o nada de novo retumbante - sonolento – mesmo que dito com inteligência e proficiência.

A lição que fica, pelo menos para mim, é a do vácuo de idéias novas. Já que o neo-conservadorismo nada traz de realmente novo e nada propõe.

Por incrível que pareça, o melhor momento da palestra foi quando BHL falou do ateísmo de Sartre como “a grande aventura do homem moderno”. Mas não era BHL falando. Era o deus dele. O seu pai gerador. E o engraçado é que cinco minutos antes, ele dizia que reza todos os dias para que Barak Obama seja o novo presidente dos Estados Unidos.

Sobre a sua declaração de amor aos EUA, é óbvio que o Tio Sam é responsável por grandes avanços nas liberdades individuais e na luta pelos direitos humanos no nosso tempo. Mas tem muitas coisas despencando no Império Americano.

Não sou grande conhecedor dos Estados Unidos, Mas estive no interior dos EUA no ano passado e pude ver bandeiras confederadas e retratos do General Lee em restaurantes populares. BHL diz que a Ku Klux Klan acabou e que o racismo é coisa que não existe mais já há 30 anos. Mas como explicar, então, o caso Rodney King e as cadeias norte-americanas cheias de negros? Como explicar o que aconteceu em Nova Orleãs após o Katrina?

Talvez seja por esse vácuo do novo pensamento ocidental que novos cineastas, escritores e pensadores do Oriente e do Oriente Médio conquistaram admiradores nos últimos anos. Nomes como Wong Kar-Wai e Kiarostami. Mesmo tendo sido, em parte, cooptados pela indústria cultural.

Agora, de todos os pecados da palestra de BHL, dois eu não consigo perdoar. O primeiro foi o de fazer altos elogios aos pensadores brasileiros e de conseguir citar apenas Celso Furtado (com mérito) e não lembrar de um só escritor. E, pior, ao falar do argentino Jorge Luis Borges, dizer que ele não era um intelectual.

Óbvio que Borges não era um acadêmico, mas era sim um intelectual e que influenciou nomes como Umberto Eco e Italo Calvino. E, com certeza, a obra dele sobreviverá muitas décadas depois do nome de BHL não constar mais nem mesmo na Wikipedia.


Abaixo, vai uma foto que tirei nos EUA mostrando a bandeira confederada exposta num tradicional restaurante que serve o “barbecue”, em Columbia, na Carolina do Sul.