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Fechado em sua concha áspera, mas sem nunca deixar de ouvir o rugido do mar revolto lá fora, Antonio prosseguia seu trabalho no casarão. Fazia suas refeições em separado. Muitas vezes, até, fechado em seu quarto, conversando apenas com Laura, quando queria algo da casa, e com Augusto, nas horas de trabalho. Nestes dias não via Letícia, nem Theodoro, nem Arthur, numa vida quase monástica.
Lia muito. Levava os jornais para o quarto à noite e pegava muitos livros da imensa biblioteca de Augusto Orsini. Mas fugia de temas que o fizessem pensar demais. Gostava de biografias antigas e livros de história, fazendo do passado antigo a maior parte do seu presente.
O inverno de Curitiba era frio e seco, com belas manhãs de sol. Nos finais de semana, saía a caminhar pela cidade. Andava um pouco de bonde. Via centenas de rostos diferentes. Eram pessoas que viviam e quantas - ele pensava - não estavam mortas e enterradas como ele. Quantas haviam escolhido, como ele, aquele caminho. E quantas, também como ele, não haviam sido levadas a isto pela vida.
Mas a maior parte das pessoas parecia feliz e, portanto, não sentia a mesma dor incômoda. Que tipo de droga anestésica milagrosa - pensava - poderia fazer isso? Será que havia alguma forma de apagar isso, como quem apaga um lampião de gás. Seria conformismo? Será que todos já sabiam mesmo que a vida era apenas uma dor transmitida de geração em geração, ou ele era o único no mundo a se sentir daquele jeito?
Parou em frente à banca de jornal e leu algumas manchetes. Havia muita desgraça e nenhuma notícia que pudesse considerar boa. Pensou que havia gente com muito mais problemas e dor do que ele. Havia morte, doenças, miséria, guerra, violência e o roubo deslavado da política. Havia desencontros, filhos que perdem os pais, amores que se separam, fortunas que se dissolvem da noite para o dia, desgraças de todo o tipo. Havia fome, medo, desesperança e solidão. Mas não havia ninguém que sentisse o que ele sentia. Não havia ninguém que se sentisse tão inútil e tão perdido em sua própria vida. Pelo menos era o que os jornais diziam.
(trecho do romance inédito "O Castelo da Não Existência")