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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

IMPERMANÊNCIAS 61


Mundo Pequeno

(Manoel de Barros)



O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos

Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais bonitas.

...

(excerto do poema "Mundo Pequeno" de "O Livro das Ignorãças")

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

IMPERMANÊNCIAS 45


Língua


Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos nas frase é muito saudável, o padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O padre me falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas.
E se riu.
Você não é de bugre? - Ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas.
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse padre Ezequiel foi meu primeiro professor de agramática.

Manoel de Barros