Bips
(Continuação da série de posts “INCONSCIÊNCIAS”)
Som de rufar de tambores. Metal raspando quando sai da bainha. Depois o zunido no ar. E o barulho seco do aço cravando-se na receptiva madeira.
Lúcia sente a faca entrar na tábua a alguns milímetros da pele do pescoço. Ela ouve um bip distante.
Os pelos da nuca se arrepiam e ela sente uma emoção diferente. Excitante como uma carícia. Como um lábio roçando docemente em seu pescoço nu.
Outra lâmina. Ela se crava ao lado da batata da perna esquerda. Muito perto. Arrepio em todo o corpo.
A mão firme de Dorival solta o aço no ar. Um fio invisível a conduz carinhosamente até ao lado da coxa direita de Lúcia. Bip.
Lúcia sua. Seu corpo passa a esperar languidamente cada um dos punhais que chegam pelo ar. Carinhos delicados.
Há um prazer indescritível em cada vez que a faca entra na madeira a poucos milímetros da sua pele.
Ondas de calor percorrem seu corpo. Bip. Arrepios de cima a abaixo na espinha. Respiração rápida.
Ela sente o punhal entrar na madeira entre o braço e a pele do seio direito. Uma área muito sensível.
Lúcia sente prazer como nunca na vida. A boca fica cheia de saliva e a vagina está quente e molhada. Seus quadris começam a tremer. Bip.
O momento mais grave. Dorival coloca a venda para a última faca. Lúcia sabe que ele ainda enxerga através do pano. Ela nem pensa. O público suspende a respiração.
A faca voa, pássaro selvagem domesticado pelos dedos seguros de Dorival. O aço vibra e canta. O pássaro pousa. A madeira denuncia o golpe.
O metal penetra a uma distância mínima do corpo de Lúcia, bem no meio das pernas. Lúcia estremece com o frenesi do gozo. Ela geme e suspira.
O auditório vai abaixo. Ovação. Aplausos. Gritos. Risos. Bip. Bip. Bip. As luzes giram. Ela vê um clarão.
Lúcia vê o sorriso de Dorival vindo em sua direção. Bip, bip, bip, bip. O clarão aumenta. Ela já não sente o corpo. Bip, bip, bip, bip, bip. O clarão é tanto que não há mais como ficar com os olhos abertos.
Bip, bip, bip, bip, bip, bip, bip, bip, bip, bip. Ela ainda ouve a voz de Dorival dizendo: - Eu amo você. Bip.
Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip...
Os médicos retiram o aparelho de ressuscitação. O coração já não responde mais. Eles lamentam pela perda da mulher jovem que foi covardemente esfaqueada pelo marido.
Na parede, em frente à cama de Lúcia, uma gravura antiga de circo mostra palhaços, bailarinas, malabaristas e outros artistas. No centro da figura, uma jovem de olhos azuis sorri. Bip.
Fim (bip)