domingo, 31 de agosto de 2008
INVENTÁRIOS 47
Paroxismo
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS")
Na faculdade, Beth se apaixonou, certa época, por Freud. A visão fria e mecanicista do pai da psicanálise trazia para Beth um certo conforto em um mundo tão cheio de incertezas. Embora complexa e difícil de ser alcançada, a felicidade parecia algo matemático e possível na busca do equilíbrio de forças proposto por Freud.
- Pode demorar um tempão - pensava Beth - mas é possível. E se não der certo, pelo menos a gente sabe porque.
Na interprestação que Beth fazia das suas leituras de Freud, a infelicidade humana provinha de três fontes básicas.
A primeira, era porque o ser humano não consegue controlar a natureza ao seu redor, que é mais forte do que ele. E isso frusta seus desejos. E o frustra.
A segunda fonte seria o tempo cruel, que avança sem a menor possibilidade de ser detido. E o corpo humano decai, adoece e morre. E o ser humano sabe disso e nada pode fazer para controlar essa marcha.
E a terceira fonte seria a alteridade. A existência do outro como ser auto-consciente, individualizado e diferente. Um outro que não pode ser controlado, que nos contraria e decepciona.
Beth gostava dessa definição mas achava que faltava ainda uma fonte de infelicidade a ser citada. Para ela, a incapacidade de controlar a si mesmo seria a quarta e definitiva fonte de infelicidade do ser humano. E, na opinião dela, a maior fonte de frustração também.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS")
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
IMPERMANÊNCIAS 47
Novo Portal
Já está no ar o novo portal do A TARDE ON LINE. Ficou bacana. Bem mais moderno, mais fácil de ler e com muito mais serviços. Mais chamadas, mais funcionalidade, mais vídeos, mais ferramentas, mais blogs, mais tudo. Valeu o esforço da galera.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
IMPERTINÊNCIAS 47
Fragmento da canção 129
Francesco Petrarca
Ove porge ombra un pino alto od un colle talor m'arresto, et pur nel primo sasso disegno co la mente il suo bel viso. Poi ch'a me torno, trovo il petto molle de la pietate; et alor dico: Ahi, lasso, dove se' giunto! et onde se' diviso! Ma mentre tener fiso posso al primo pensier la mente vaga, et mirar lei, et oblïar me stesso, sento Amor sí da presso, che del suo proprio error l'alma s'appaga: in tante parti et sí bella la veggio, che se l'error durasse, altro non cheggio. | Onde deita sombra um alto pinheiro, ou numa colina às vezes eu paro e na primeira pedra desenho com a mente o seu lindo rosto. Quando volto a mim, tenho o peito encharcado de lágrimas de ternura; e então digo: – Infeliz! em que estado te achas! e de que te separaste! Mas enquanto posso guardar fixo no primeiro pensamento a mente errante, e mirá-la e esquecer-me de mim, sinto o Amor tão perto, que do seu próprio engano a alma se contenta: em tantas partes eu assim bela a vejo, que se o erro durasse, outro não quereria. |
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
INVENTÁRIOS 46
Igbó Ikú
(Continuação da série de posts “INVENTÁRIOS”)
Ismael sempre dizia que iria morrer no mar. Que seria doce, como nos versos de Dorival Caymmi. Mas ele adorava barcos e sempre sobreviveu ao mar. Um acidente de carro é que acabou levando Ismael.
Uma coisa boba. Um sinal que acaba de fechar e alguém tenta aproveitar o último segundo. E por causa de um único segundo, uma coincidência absurda, algo que não aconteceria um segundo antes ou um segundo depois, acaba acontecendo.
Teve velório, missa e enterro. Todas aquelas coisas que sempre tem. Aquelas coisas que Beth e Ismael sempre detestaram e diziam que jamais passariam por isso. Mas os pais de Ismael queriam e Beth não teve forças para discutir isso.
Depois do enterro, foi para casa. Queria parar de pensar em tudo. Resolveu ir para a internet, dar uma olhada nos perfis das comunidades virtuais de que participava. Começou com o Hi5. Achou que não tinha a ver com ela e apagou tudo.
Depois veio o Orkut, Facebook e finalmente o My Space. Apagou os fotos do Flickr e os vídeos do You Tube. Saiu do Del.icio.us, exterminou seu avatar no Second Life e deletou milhares de e-mails arquivados, endereços, contatos do MSN e Google Talk, músicas e textos.
Deletou cada uma dessas coisas como se fossem as lembranças de quem ela era é que causassem dor. Apagou tudo, devagarzinho. E sentiu algum alívio. Por pouco tempo.
Na verdade, Beth queria mesmo era se dissolver assim, se apagar, se diluir nos bilhões de bytes de informação da internet. Mas nem tudo pode ser deletado assim. Não dá para reestartar a máquina, nem reformatar o HD. O disco continua girando. Sem parar.
(Continua na série de posts “INVENTÁRIOS”)
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
IMPERMANÊNCIAS 46
Vídeo nos jornais de papel
Há 15 anos, pensar que um jornal de papel produziria vídeos seria considerado uma sandice. Afinal, quem fazia TV, fazia TV, quem fazia rádio, fazia rádio, e - óbvio - quem fazia impresso, fazia impresso. As coisas mudaram. A internet transformou os veículos em plataformas multimídia e o que mais importa hoje é de que maneira podemos transmitir melhor (qualidade, riqueza de informação, tempo, comodidade, espaço etc) a notícia para o público.
O processo de mudança vem acontecendo com velocidade na maior parte dos jornais do mundo. No jornal A TARDE, já estamos colocando uma média de 10 vídeos diários, entre produção própria e de agências, atingindo cerca de 40 mil views. No início de setembro, será lançado o novo portal A TARDE ONLINE, com visual bem mais moderno, novas ferramentas, blogs e, principalmente, mais multimídia. Abaixo o link (com a página atual).
Muitas coisas interessantes vêm sendo feitas em termos de vídeo para jornais no mundo inteiro. Aqui vai um blog (andydickinson.net) com idéias interessantes de como usar o vídeo em jornais locais. Tem até um guia para os diários de papel usarem melhor o vídeo.
O exemplo do Manchester Evening News mostra a importância que o vídeo vem ganhando dentro dos portais de jornais. Já é um dos elementos mais buscados pelos internautas e é uma ferramenta que aproxima o cidadão comum do jornal, invertendo, muitas vezes, o caminho mais comum da elaboração da notícia. Vale a pena dar uma olhada.
domingo, 24 de agosto de 2008
IMPERTINÊNCIAS 46
Where everything you need
sábado, 23 de agosto de 2008
INVENTÁRIOS 45
Supérstite
(Continuação da série de posts “INVENTÁRIOS)
A existência de Deus sempre foi uma coisa esquisita para Beth. Um conceito que nunca se encaixou na realidade dela, embora a mãe insistisse em levá-la à missa católica semanalmente quando ela era criança. Nessa época, para Beth, a palavra “deus” poderia ser substituída tranqüilamente por “culpa”.
A possibilidade de existir um ser superior a tudo, onisciente, onipresente, perfeito e, principalmente, amoroso, sempre foi difícil de conceber para Beth. Quando adolescente, ela se perguntava como a onisciência divina poderia se encaixar no conceito de livre arbítrio das pessoas.
– Se Deus sabe o que vai acontecer, como é que eu tenho o poder de decidir?
E se Deus ama tanto assim os seus filhos, por que tanto sofrimento? Por que a fome, a doença, o medo, o ódio, a guerra, os programas de televisão no domingo e tantas outras coisas terríveis nesse mundo?
A imagem que a maioria das religiões prega, na visão de Beth, é a coisa mais ridícula de tudo.
– Não posso acreditar num sujeito barbudo e de camisola olhando lá de cima pra tudo isso, interferindo aqui e ali, conforme o humor do dia.
- Fez coisa boa? Que bom, aí vai uma graça, um maná caindo do céu, a fortuna na mega sena, o sucesso de popstar, a Paralela vazia na hora do engarrafamento.
- Pecou? Pisou na bola? Aí vai dilúvio, sete pragas do Egito, Brasília, George W. Bush, spam e aula de ginástica aeróbica.
É como aquele game The Sims, pensava Beth, Deus cria, recria, acompanha, muda, faz e desfaz. E se ele não gostar de alguma coisa, lá vem tsunami, game over, desliga tudo, acabou a brincadeira. Afinal, o sr. Onipotente pode começar de novo quando quiser, não é?
- E agora, Ismael morreu. E se essa porra de Deus não existe, pra onde é que ele vai? Vira nada? Fica na solidão eterna? No silêncio total? Que merda de Deus onipotente é esse que não consegue nem fazer com que eu acredite nele. E agora, faz falta...
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
INTERMEZZO
Eterno retorno
Depois de uma semana corrida, quando fiquei vários dias sem postar, estamos de volta. A preparação da apresentação para o 7º Congresso da ANJ, em São Paulo, e a finalização do projeto da Central de Interatividade, para A TARDE, tomaram bastante tempo nestas duas semanas, mas valeu a pena.
Além do aprendizado e dos bons contatos no Congresso, também foi muito bom reencontrar amigos e ver que os bons profissionais continuam sempre crescendo. E quando falo em "bons" não me refiro apenas à parte técnica.
Para arrematar, aqui vai um pouco de Leminsky, para comemorar o Dia da Poesia:
"04 e 05"
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.
LÁPIDE 2
epitáfio para a alma
aqui jaz um artista
mestre em disfarces
viver com a intensidade da arte
levou-o ao infarte
deus tenha pena
dos seus disfarces
Paulo Leminsky
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
IMPERMANÊNCIAS 45
Língua
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos nas frase é muito saudável, o padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O padre me falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas.
E se riu.
Você não é de bugre? - Ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas.
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse padre Ezequiel foi meu primeiro professor de agramática.
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
IMPERTINÊNCIAS 45
Pessoas são pessoas e p(r)onto.
A dependência é o mau-bom-costume de tê-las por perto.
O que é ser pessoal?
O que é ser impessoal?
Só minto para ter o ombro dela por perto.
Somente uma pessoa conseguiu retirar-me da fria sombra.
Receio responder perguntas que afastam.
Careço colocar-me no palco do aconchego.
Seu sorriso: a chave que abre minha porta.
Seu abraço: píer que acolhe minha canoa.
Sua atuação: o mérito que não mereço.
Para responder se sou pessoal ou impessoal.
Então me resto, amor.
Em amor confi(n)ado sou completado.
Sílvio Ribas
domingo, 3 de agosto de 2008
INVENTÁRIOS 44
Enantiodromia
(Continuação da série de posts “INVENTÁRIOS”)
Beth considerava Daniel uma figura. Um desses malucos beleza que fazem a gente rir o tempo todo com as idéias absurdas e o comportamento esquisito. Desde o primeiro ano de faculdade, Daniel se tornou um dos melhores amigos de Beth e os dois se divertiam muito juntos.
Em comum, os dois tinham o fato de terem o jeito meio “nerd” e a paixão pela internet. Aliás, Daniel respirava através da Web. Vivia conectado e navegando o tempo todo, aqui e ali, atrás de novidades.
Sua especialidade era teorias de conspiração. Sempre tinha uma estória nova, de organizações obscuras com planos mirabolantes para dominar o mundo, de crimes quase perfeitos que permaneciam insolúveis, de terríveis armadilhas que as grandes corporações criavam para prejudicar o incauto consumidor.
Beth gostava de ouvir as estórias e muitas vezes se empolgava junto com Daniel ao imaginar os esquemas secretos que estavam por trás de tudo. Os ataques de 11 de setembro, por exemplo, forneceram matéria-prima para Daniel por um bom tempo. Ele jurava que o próprio George W. Bush havia forjado os atentados para desviar os olhos do mundo da sua administração desastrosa.
- E ele ainda pode gastar uma fortuna em armas, que todo mundo vai achar normal.
- Não sei, não, Daniel.
- Mas é verdade, Beth. Você não viu o filme do Michael Moore.
- Eu vi, mas é uma idéia bem ousada.
- Acho que o Bush é o Anticristo. Ele tem um pacto com o diabo. Quer matar todo mundo.
- Hmmm. Essa estória me arrepia. Eu me lembro, quando era criança, da estória do quadro do menino chorando. Aquilo também me arrepiava.
- Ah, eu sei. É uma lenda urbana famosa. Quem tinha um quadro daqueles em casa, acabava perdendo alguém da família de forma violenta. Tudo porque o pintor tinha feito um acordo com o diabo.
- É. Uma coisa boba. Mas eu me arrepiava com essa estória.
- Os anos 80 tinham muitas lendas bacanas. Lembra do boneco do Fofão?
- É. Diziam que tinha uma faca dentro.
- Não. Era uma adaga.
- É, é verdade. E a boneca da Xuxa levantava de noite e matava as crianças.
- E os discos dela tinham mensagem satânicas gravadas ao contrário.
- Mas é verdade. Eu ouvi aquela música Doce Mel ao contrário e parece “sangue, sangue, sangue”.
- Tinha também a Caverna do Dragão, que nunca acabou. Dizem que é porque os garotos tavam é perdidos no inferno. Todos eles tavam mortos.
- Você é uma figura mesmo, Daniel. Você deve ter saído de um episódio de Lost.
- Ou Arquivo X.
- Mas acho que não se fazem mais teorias da conspiração como antes.
- Claro que fazem. Ontem mesmo eu recebi um e-mail de um amigo falando da teoria do spam da morte.
- Spam da morte?
- É, vem com uma mensagem cheia moralismo e a imagem de um anjo estranho. E, se você não passa adiante, quando seu nome chega ao fim da lista, você morre de causas estranhas.
- Ahahahaha. Essa é boa. O que os caras vão inventar mais?
- Na verdade, eu acho que o mundo inteiro é cheio de teorias da conspiração. O tempo todo a gente ta sendo manipulado.
- Você ta ficando paranóico.
- Não. É sério. Acho que mais do que a Nasa, a CIA, a Internet, a Globo, o Geoge Soros e Hollywood, tem uma conspiração mais forte do que todas e em que todos caem.
- E qual é?
- Deus.
- Deus?
- Isso. Deus. É a maior conspiração de todas. Acho que quase todo mundo cai nessa. Um dia ou outro na vida, todo mundo já acreditou em Deus, Buda, Jesus, Maomé, Moisés, Oxalá ou qualquer coisa assim.
- O ópio do povo?
- É. Mais ou menos. Acho que é a maior enganação que já existiu. Mas é tão bem orquestrado, que eles brigam entre si pra você ficar impressionado.
- E eles ainda mandam spams assassinos e bonecos do Fofão e discos da Xuxa pra matar você.
- É. É por aí. Mas você não acredita, né?
- No creo em bruxas, pero que las hay...
- Você acredita?
- Sei lá. É que acontece tanta coisa que a gente não explica. De certa forma, eu acredito. Acho que ia ser muito sem graça se não existe um algo mais. E eu não ia agüentar o vazio.
- Vazio?
- É, do mesmo jeito que você. Se não tivesse as suas teorias da conspiração, como é que você ia passar o tempo?
- É verdade. Deus é um passatempo.
- Como paciência spider.
- Você sabia que esses jogos de paciência de computador têm um dispositivo que lê as reações das pessoas e gera códigos hipnóticos que dão ordens, como, por exemplo, comprar coca-cola.
- Tá bom. Tá bom. Deixa pra lá.
(Continua na série de posts “INVENTÁRIOS”)