segunda-feira, 31 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 24
sábado, 29 de março de 2008
INVENTÁRIOS 23
Limite
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS")
Beth se virava na cama, pensando sobre a vida, pensando sobre tudo. Não conseguia dormir. Pensou no Bibliotecário, pensou numa pergunta que lhe martelava a cabeça por dentro. E o homem do terno branco apareceu.
- Existe liberdade? - Perguntou Beth.
- Liberdade para que, por que, em relação a que? Esse é um conceito relativo. Vocês, seres humanos, querem sempre tornar absolutos conceitos relativos, mesmo levando em conta que vocês não são, de forma alguma, absolutos.
- Eu só quero saber se a gente é livre de verdade ou faz aquilo que está escrito em algum lugar ou porque a gente foi programado pra fazer pela nossa cultura, sei lá...
- A pergunta ainda é vaga. A resposta continuará sendo vaga.
- Quero saber se eu sou livre para ser o que eu quiser, por exemplo.
- A princípio, nesse caso, tudo é possível. Existem limitações naturais a serem vencidas, mas o ser humano consegue muitas vezes vencer esse tipo de barreira. Mas há sempre um preço a pagar por isso.
- Que preço?
- Cada situação pede algo diferente. Se você quisesse ser, por exemplo, uma grande jogadora de tênis ou uma grande pianista, teria que treinar ou ensaiar horas e horas por dia para atingir esse objetivo. E teria que abrir mão de uma série de outras coisas na vida.
- Sei. São coisas que dependeriam do meu esforço. Entendo. Mas também tem coisas que estão fora de questão, como por exemplo, eu querer ser a mulher mais alta do mundo.
- Como eu disse, a princípio, tudo é possível. Mas certas coisas dependeriam de uma conjugação de forças e de fatores que fogem da sua compreensão e estão além da minha alçada e até daqueles que me orientam.
- Quer dizer que você tem um chefe?
- Vamos voltar à sua pergunta. Está satisfeita com a resposta?
- Não. Você satisfez a minha curiosidade sobre algumas coisas, mas ainda não me respondeu. Quero saber se somos livres ou se existe algum tipo de destino, programação ou coisa desse tipo.
- De novo você vem com essa noção absoluta de liberdade. Você vive num mundo limitado, cheio de limitações, não há como ser absolutamente livre nele. Há uma série de fatores que limitam a sua vida.
- Esses fatores definem as nossas vidas, então?
- Eles limitam, mas não determinam.
- Como assim?
- Os limites estão aí para serem transcendidos. Aí é que está o segredo de tudo.
- Estou começando a desistir dessa estória de chamar você. Para cada resposta que você me dá, eu fico com um monte de novas perguntas. E aí, você simplesmente desaparece sem dizer nada.
- Se você prefere que eu me despeça, aí vai: boa noite.
- Boa... É isso... Transcendência... Conceitos absolutos... Tô com sono... Ah, deixa pra lá!
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS")
IMPERMANÊNCIAS 23
Lua Cheia
Recorro à minha coleção de eus,
Qualquer coisa que me ajude
A interpretar esta noite
Entre o assombro e a ambiguidade
Entre a profundidade e a essência
A dificuldade e a dádiva de ser
O rio, o peixe e o pescador
Simultaneamente...
Wilson Gasino
quinta-feira, 27 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 23
Psicologia da Composição
João Cabral de Melo Neto
quarta-feira, 26 de março de 2008
INVENTÁRIOS 22
PEQUOD
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS)
Quando tinha oito anos, Beth viu dois cachorros cruzando, na rua, em frente ao portão de casa. Ela estava com Zena, a empregada, que ficou embaraçada quando Beth apontou o dedo e perguntou o que era aquilo.
- Os dois tão brigando - perguntou?
Sem ter respostas, Zena atirou pedras nos dois bichos, para separá-los. Depois de algum esforço, os dois se soltaram. Mas isso não acalmou as inquietações de Beth. Pelo contrário.
Ela queria saber o que era aquela coisa vermelha parecendo uma salsicha que o cachorro tinha no meio das pernas. Zena disse para Beth perguntar à mãe quando ela chegasse em casa. E foi o que ela fez.
- É o pipi do cachorro - explicou a mãe, de má vontade - é por ali que o cachorro faz xixi.
- Mas e por que ele tava em cima da cachorrinha? Por que os dois tavam chorando? - insistiu Beth.
- Eles tavam brincando, só isso. Agora me deixe, que eu tenho mais o que fazer.
Algum tempo depois, misturando as coisas que via na televisão e a conversa das amiguinhas, Beth descobriu que aquilo era o pênis do cachorro e o que eles estavam fazendo era sexo. E aquilo acabava fazendo outros cachorrinhos nascerem.
Com 10 anos, Beth descobriu livros sobre educação sexual na estante de casa, meio escondidos, na prateleira mais alta. Em momentos em que ficava só com a empregada em casa e ela estava ocupada, dava um jeito, subia numa cadeira e tirava os livros para dar uma olhada.
Eram cheios de fotos e figuras escuras, em preto e branco. Os textos falavam de doenças e de bebês nascendo. Parecia uma coisa ruim e dolorosa. Nada tinha a ver com prazer, nada tinha a ver com carinho. Ela não imaginava como aquilo poderia fazer parte do corpo dela. Era tudo feio, pesado, estranho e obscuro. Parecia ser um sofrimento imposto pela natureza aos animais.
Foi só com 11 anos, em conversas com sua amiga Mira, que ela descobriu que o sexo poderia trazer prazer. E foi nessa época também que ela descobriu o mistério do pênis, aquela coisa estranha que os homens tinham e as mulheres não. Era o poder, a força, a capacidade de invadir, de semear e de frutificar.
O poder do pênis, na cabeça de Beth, era o que poderia explicar o porquê da preferência dada pelos pais sempre ao seu irmão mais velho, Ricardo. Ele era homem. As coisas eram assim. Os homens são mais importantes. Eles mandam. Eles tem o grandioso e fantástico pênis.
Mas Mira não tinha toda essa reverência. Ela brincava com isso. Fazia desenhos malucos, simulava ter um pênis usando o que tivesse à mão. Um lápis, uma banana ou mesmo o dedo indicador. Tudo virava um pênis e motivo de brincadeira para Mira.
- Agora eu tenho um pênis e tenho o poder - dizia ela correndo atrás de Beth. E Beth ria.
- Mas o que será de nós - perguntava Beth - se a gente nunca tiver um homem, se a gente nunca tiver um pênis?
- Sei lá - respondia Mira - se esse pedacinho de carne pode fazer a gente tão feliz assim. Sei lá...
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS)
IMPERTINÊNCIAS 22
O HIEROFANTE
A carta de número 5 do tarô é o Hierofante, que em alguns baralhos também é chamado de o papa ou o Sumo-Sacerdote. A simbologia desta carta está ligada ao desenvolvimento dos valores morais no homem, absorvidos através da tradição, da família e dos códigos sociais.
O Hierofante é o princípio masculino conservador e passivo, fazendo par com a Sacerdotisa (ou Papisa) e contrapondo-se ao masculino ativo, o Imperador. Se na Sacerdotisa o princípio religioso (ligação com o divino é intuitivo, no Sumo-Sacerdote, esse vínculo funciona através da codificação, da ritualização, da elaboração da religião como instituição. É o princípio que possibilita ao ser humano, quando ainda não tem o poder de julgamento completamente formado, agir através de conceitos pré-elaborados, os chamados pré-conceitos.
Isso pode parecer algo ruim, mas é o que permitiu à Humanidade se desenvolver nos primeiros tempos e o que possibilita à criança crescer sadia enquanto tem a orientação dos ensimentos morais transmitidos pelos pais, religiosos e mestres. Daí vem também a forte ligação da carta com a figura paterna, protetora, benevolente, apaziguadora e orientadora.
O princípio proposto pela carta número 5 só se torna ruim quando o ser humano, já tendo formado a sua consciência julgadora em sua caminhada (veremos adiante na carta 8 - a Justiça) abdica de seu poder de discernimento e toma decisões apenas com base em preconceitos. Deixa, assim, de viver a sua vida e vive pelos valores dos outros.
O Papa representa a espinha dorsal, aquilo que mantém o ser em pé, o andar ereto que diferencia o ser humano dos animais, a elevação que almeja o encontro do terreno com o divino no homem.
segunda-feira, 24 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 22
Daniel Senise
Gostei muita da exposição que está no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) com uma seleção de obras do carioca Daniel Senise. A mostra traz trabalhos do artista realizados entre 2000 e 2008.
Pintadas em tons terrosos, as telas têm um efeito sinestésico interessante e provocam sensações ao mesmo tempo de paz e de inquietude. Por mais paradoxal que isso pareça.
Essas sensações são ampliadas ainda mais pelo ambiente do MAM, com todo o espaço de madeira do Solar do Unhão.
Para quem quiser visitar, a exposição vai estar lá até o dia 20 de abril. Abrindo sempre de terça a domingo, das 13h às 19h e, aos sábados, das 13h às 21h. Muito bacana.
domingo, 23 de março de 2008
INVENTÁRIOS 21
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS")
O primeiro contato real de Beth com a desonestidade foi aos seis anos de idade, num domingo de Páscoa. O objeto de delito era um lindo ovo de chocolate que seu irmão mais velho, Ricardo, tinha ganhado naquela manhã. É bem provável que o ovo recebido por Beth fosse tão ou mais bonito do que o de Ricardo, mas ela não resistiu à tentação de surrupiar um naco daquele tão desejado doce.
Ricardo não viu. Seus pais também não. E talvez aquilo tivesse sido esquecido rapidamente por Beth, se não fosse pelo sermão do padre na missa daquele domingo.
- Aquele que rouba aquilo é que do seu irmão, entristece ao Senhor – bradava o pároco empolgado com a grande presença de público naquele domingo.
E Beth se encolheu no banco da igreja, escondendo o rosto com a mãozinhas, sentindo o enorme peso do remorso apertando seu coração. Que buraco enorme se abria ali em frente, sob seus pés, enquanto a voz histriônica do padre, com sotaque alemão, lhe dizia o quanto ela era indigna de ser amada.
Na saída da igreja, a mãe puxava Beth pela mão enquanto ela caminhava de cabeça baixa. A mãe, então, berrava com ela, enquanto cumprimentava todos à volta, fingindo simpatia. Uma ou outra lágrima pingava dos olhos da menina, mas ninguém via. E os impropérios da mãe só confirmavam à Beth quão indigna criatura ela era.
Mais tarde, já na adolescência, Beth leu um livro que sua melhor amiga Mira lhe emprestou. “Demian”, de Hermann Hesse. E ela se identificou o drama do personagem Emil Sinclair, no início do romance, quando ele furta algumas moedinhas do cofrinho da família e se sente um verdadeiro criminoso.
O livro fez Beth refletir sobre essa culpa toda. Ela não poderia jamais culpar Emil pelo pequeno furto contado no livro. Era um menino de 10 anos, inocente e que acabara fazendo isso por ceder à chantagem de um colega mais velho. Ele tinha motivações que deveriam ser levadas em conta. Não desejava o mal de ninguém e sofria pelo que fez.
E se Beth, aos 12 anos, podia enxergar as coisas dessa forma e não ver culpa em Emil Sinclair, porque é que um Deus onisciente e que existia desde sempre, não poderia também levar tudo em consideração e perdoá-la?
- Por que? Perguntava Beth aos 12 anos.
- Por que? Perguntou Beth aos 21.
- Por que? Perguntou Beth tantas outras vezes mais.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS")
IMPERMANÊNCIAS 21
Torta Fácil de Maçã
Essa receita, eu copiei de um livro da minha irmã Loli, de Curitiba. Mas fiz alguns aperfeiçoamentos na receita e já a incorporei às minhas preferidas. Por ser uma torta de maçã fácil de fazer e por ser muito saborosa. Quentinha, com sorvete de creme. Fica ótima.
Vamos lá:
Ingredientes:
180 g de farinha de trigo
200 g de açúcar
3 maçãs médias (dá para substituir por seis bananas médias também)
100 g de manteiga
2 colheres de chá de fermento em pó (para bolo)
2 ovos
Canela em pó
Preparo:
Unte uma forma de tamanho médio com um pouco da manteiga e reserve o resto. Corte a maçã em rodelas e espalhe no fundo da forma. Polvilhe um pouco de açúcar e canela sobre cada camada de maçã. À parte, misture a farinha, o açúcar e o fermento. Despeje sobre a maçã cortada. Derreta a manteiga e espalhe sobre a mistura de farinha e açúcar. A última camada é a dos ovos. Bata os três ovos inteiros e despejo sobre tudo. Espalhe bem e polvilhe mais açúcar e canela por cima.
Pré-aqueça o forno por 10 minutos e ponha a torta para assar por cerca de 25 minutos a 200 graus. Deixe esfriar um pouco e sirva ainda quente.O rendimento é para seis a oito fatias. Para mais que isso, é só aumentar na proporção os ingredientes.Bom apetite!!
No ano passado, no meu aniversário, fiz uma torta dessas e levei para o pessoal da Redação do jornal A TARDE. Abaixo, o flagrante, na foto de Fernando Vivas, da torta sendo servida. Acreditem: rendeu para umas 40 pessoas. E o pessoal gostou.
sexta-feira, 21 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 21
Across The Universe
Lennon / McCartney
Words are flowing out like endless rain into a paper cup
They slither while they pass they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.
Jai guru deva, Om.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Images of broken light which dance before me like a millioneyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box,
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai guru deva, Om.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Sounds of laughter, shades of love are ringing through my openedears,
Inciting and inviting me.
Limitless undying love, which shines around me like a millionsuns,
And calls me on and on across the universe.
Jai guru deva, Om.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Jai guru deva,
Jai guru deva,
Jai guru deva,
Jai guru deva,
Jai guru deva,
Jai guru deva...
INVENTÁRIOS 20
Las hay...
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS)
Chuva.
Beth gosta de chuva.
Beth tem cinco anos e gosta de chuva.
A mãe briga, o pai briga.
Mas Beth gosta muito.
Quando chove, ela dá um jeito.
Consegue escapulir.
Vai para o quintal e dança.
Dança com a chuva.
Beth dança.
E acende por dentro.
Um fogo pequeno.
Que vem devagar.
E ela dança mais.
E a fogueira pega.
E queima mais.
E esquenta.
E aquece.
Seu coração.
E transforma as gotas lá de fora.
Num líquido quente e gostoso.
Que lava o corpo.
E leva a alma.
Toda criança tem um brinquedo preferido.
O de beth Fuoco é a chuva.
E a chuva gosta de Beth.
Beth sente isso.
Beth sabe disso.
E queima por dentro.
A sua fogueirinha.
E nada mais importa pra ela.
Chove fogo lá dentro.
Chove fogo lá fora.
Chove.
E Beth é feliz.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS)
quinta-feira, 20 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 20
O não ser e o nada
O mal estar do mal estar
A náusea da náusea
Nem Sartre nos salva
Desse tudo que é nada
Da morte na alma
Da calma comprada
Dessa única estrada
Sem nenhum caminhar
Wilson Gasino
IMPERMANÊNCIAS 20-B
Comentários sobre o post
acerca de Bernard-Henri Levy
O post sobre a palestra de BHL (ver IMPERMANÊNCIAS 20) gerou vários comentários interessantes via e-mail. Reproduzo aqui os do professor Florisvaldo Mattos e de Ana Helena Lima Santana, que achei bastante interessantes e mordazes.
Florisvaldo Mattos
Prezado Gasino:
Saudações madrugadoras. Abri o seu bem inspirado blog e li o comentário que faz sobre a palestra do (porque não?) indefectível BHL num TCA surpreedentemente (para a ocasião e a programação) quase lotado. Corroboro com as suas observações na quase totalidade. Saí de lá com a sensação também de um vácuo, ou talvez de um "déjá-vu", uma patente obviedade, ressonância de tudo que representou a montanha de idéias encadeadas ao longo das sete últimas décadas do século 20, com fatos, correntes de idéias, movimentos, corriolas pensantes, personagens, que construíram a massa do pensamento ocidental bafejado pela França, a partir das ações, à direita e à esquerda, conjugadas ou não, de personalidades, não só como Sartre e Malraux, em certo sentido timoneiros, mas André Gide, Léon Blum, Picasso, Ilia Erhenburg, Aragon, Paul Éluard, Breton, Heidegger, e depois, o pessoal da Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamim e Horkheimer à frente), que se tornaram o núcleo das idéias antitotalitaristas (nazi-fascismo, fascismo, comunismo à Stalin), que BHL citou como componentes do painel de suas influências primeiras, enveredando por Maio de 68, queda do Muro de Berlim (1989) e fim do comunismo na sua faceta pragmatista totalitária (URSS, China de Mao, Cuba de Fidel), por ele citados, explícita ou implicitamente; por fim, as atualidades.
Para mim também não trouxe novidades nem apontou para horizontes que deslindem os entraves e engolfamentos dos dias de hoje, os da plena ausência de utopias e, em troca, da presença de uma potência hegemônica em patente estado de queda e de diluição de valores apregoados como excelsitudes ao longo de dois séculos, decadência melancolicamente emoldurada de peripécias e delírios que são exemplos de má-conduta (guerras do Golfo, Afeganistão e Iraque, ingerências em realidades e inúmeras questões que pertencem a outros povos, pelo planeta, sem lhes apontar soluções), sob os olhos e as críticas inermes de uma Europa em franco declínio, apesar das magras cintilações de uma União Européia, até o momento conluio de impotências e cintilações frívolas de estrelismo, como a de BHL.
É para mim também um pop-star do pensamento ocidental, que mostra nada ter mais a dizer. Fui lá, por um cacoete de esperançosa atualização, mas de lá saí como se não tivesse ido. Corrijo: valeu para confirmar uma sensação de vazio que se patenteia e perdura hoje em quase tudo que representa cultura ocidental. E digo: não estou confiante no que virá de outros nomes do programa Fronteiras do Pensamento, à exceção talvez de Win Wenders e da africana, símbolo da mulher contestadora e enfrentadora de abismos. Luc Ferry é outro pop-star com excursão pela política e administração cultural com luz francesa. Christo é o símbolo da decadência das idéias no campo das artes plásticas que se expressa por uma das facetas mais incisivas da indústria cultural, o monumentalismo, disfarçado na máscara da originalidade, o que significa (para usar um conceito de Pound) diluição. Falam bem do psicanalista Charles Melman, mas, confesso, nunca li nada dele, nem até o momento me fez falta. Os músicos (Philip Glass e David Byrne), nada me falam, pois só dou bola para o Jazz.
Enfim, ouvimos um pop-star do pensamento ocidental, badaladíssimo, presença forte na mídia seletivista, pregador da eternização do capitalismo como sistema de idéias e poder e estilo de vida, e continuamos a pisar o chão da aridez, sem mesmo dele retirar as impurezas que as estéticas da modernidade, só para lembrar T. S. Eliot, e seguimos atravessando o deserto. Como vê, nossas observações sobre a exótica experiência parecem confluírem. Em tempo, finalizando: me candidato a freqüentador de seu blog. Um bom dia para você e um abraço. Florisvaldo.
ANA HELENA LIMA SANTANA
Que sucesso, hein!!!!
Porém devo expor meu ressentimento por você não ter citado alguma das nossas contribuições, a exemplo de:
- em Jequié, também testemunhamos um genocídio que marcou aquela cidade. O das piabas mortas quando da enchete do Rio de Contas em 1981! Foi um marco que a intelectualidade local retratou nos mais diversos veículos de comunicação. Opss: o jornal Sudoeste e a rádio 93FM!
- o equivalente à Revolução de Maio de 86 (viu que cabalístico o número - é 68 ao contrário!) nos colégios jequieenses. Dessa mobilização estudantil surgiu o emblemático nome de Dominguinhos para candidato a prefeito de Jequié pelo PC do B, que recebeu incontáveis 17 votos nas diversas eleições as quais candidatou-se.
E tem mais! Falta é tempo para contar.
beijos e boa páscoa.
terça-feira, 18 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 20
Bernard-Henri Levy e
o intelectualismo dândi
Ontem à noite, na saída da palestra de Bernard-Henri Levy, conversei com Mariana, Simone, Josélia, Simanca, Tiago, Marta e Ana Helena. Acredito que havia algo em comum a todas as opiniões, ou seja, um certo sentimento de que faltou alguma coisa.
Na realidade, acho que a média das expectativas era grande demais e por mais que o palestrante demonstrasse seu notório saber, em nenhum momento aconteceu aquilo que todo mundo esperava: uma grande afirmação filosófica que mexesse com as nossas crenças pessoais, que nos colocasse de frente a uma interrogação nova e inquietante, que nos deixasse – como diz a sabedoria popular – com a pulga atrás da orelha.
Apresentado como o supra-sumo do pensamento francês da atualidade, BHL provou ser mesmo o grande filósofo pop-star. Um homem de mídia, um showman, um dândi que passeia sobre conceitos do pensamento francês do século passado, alimentando-se de nomes como Sartre e Malraux, aproveitando-se, ao mesmo tempo, apenas daquilo que lhe interessa.
A palestra de BHL passeou por temas que são hoje “standard” no pensamento mundial, criticando o totalitarismo e o nazismo, e também festejando a morte do já apodrecido comunismo. Num discurso surrado de direita, fez a sua elegia aos Estados Unidos – única coisa surpreendente, já que isso é raríssimo no pensamento francês (excetuando a histórica presença de Tocqueville, nome em que os defensores da globalização se apoiaram de forma comensal).
O que mais chama a atenção foi a falta de algo novo e talvez isso não seja mesmo culpa de BHL (nem da fraca tradução simultânea), mas da falta de originalidade do pensamento ocidental atual. Se, ao falar contra o totalitarismo, o filósofo francês entrasse na questão da indústria cultural, talvez trouxesse algo de quase novo. Talvez. Mas, nem isso.
De aproveitável, fica um dos pontos citados como o papel do intelectual na cidade: o de gerar a dúvida. Interessante. Nada de novo, mas interessante. E que dúvida BHL nos trouxe na palestra? Talvez a dúvida de que existe um novo pensamento, não cooptado pela indústria cultural, nem rançoso com o messianismo de uma esquerda que já feneceu diante da luz do sol.
Eu tenho verdadeira alergia daquelas resenhas à moda da Folha de São Paulo dos anos 80, escola de matinas Suzuki, onde a ordem era descer a lenha. Quanto mais ácida, irônica, destrutiva e cruel era a resenha, mais inteligente ela era considerada. Não se trata disso aqui. O problema das idéias de BHL foi realmente o nada de novo retumbante - sonolento – mesmo que dito com inteligência e proficiência.
A lição que fica, pelo menos para mim, é a do vácuo de idéias novas. Já que o neo-conservadorismo nada traz de realmente novo e nada propõe.
Por incrível que pareça, o melhor momento da palestra foi quando BHL falou do ateísmo de Sartre como “a grande aventura do homem moderno”. Mas não era BHL falando. Era o deus dele. O seu pai gerador. E o engraçado é que cinco minutos antes, ele dizia que reza todos os dias para que Barak Obama seja o novo presidente dos Estados Unidos.
Sobre a sua declaração de amor aos EUA, é óbvio que o Tio Sam é responsável por grandes avanços nas liberdades individuais e na luta pelos direitos humanos no nosso tempo. Mas tem muitas coisas despencando no Império Americano.
Não sou grande conhecedor dos Estados Unidos, Mas estive no interior dos EUA no ano passado e pude ver bandeiras confederadas e retratos do General Lee em restaurantes populares. BHL diz que a Ku Klux Klan acabou e que o racismo é coisa que não existe mais já há 30 anos. Mas como explicar, então, o caso Rodney King e as cadeias norte-americanas cheias de negros? Como explicar o que aconteceu em Nova Orleãs após o Katrina?
Talvez seja por esse vácuo do novo pensamento ocidental que novos cineastas, escritores e pensadores do Oriente e do Oriente Médio conquistaram admiradores nos últimos anos. Nomes como Wong Kar-Wai e Kiarostami. Mesmo tendo sido, em parte, cooptados pela indústria cultural.
Agora, de todos os pecados da palestra de BHL, dois eu não consigo perdoar. O primeiro foi o de fazer altos elogios aos pensadores brasileiros e de conseguir citar apenas Celso Furtado (com mérito) e não lembrar de um só escritor. E, pior, ao falar do argentino Jorge Luis Borges, dizer que ele não era um intelectual.
Óbvio que Borges não era um acadêmico, mas era sim um intelectual e que influenciou nomes como Umberto Eco e Italo Calvino. E, com certeza, a obra dele sobreviverá muitas décadas depois do nome de BHL não constar mais nem mesmo na Wikipedia.
Abaixo, vai uma foto que tirei nos EUA mostrando a bandeira confederada exposta num tradicional restaurante que serve o “barbecue”, em Columbia, na Carolina do Sul.
segunda-feira, 17 de março de 2008
INVENTÁRIOS 19
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS)
- Eu já te disse que o meu livro predileto é Moby Dick. Você nunca me falou qual é o seu. Você fala de muitos, mas nunca disse qual é o que você mais gosta ou o que mais marcou. Você tem um? – Pergunta Ismael.
- Não sei se a gente já atingiu esse nível de intimidade – responde Beth, rindo.
- Já são seis meses de namoro, a gente tá prestes a morar junto. Acho que é suficiente.
- Hmmm. Lá vai: Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne. É o livro que eu mais gostava quando era menina. E até hoje eu gosto.
- O quê? Verdade mesmo? Não me parece um livro que as meninas gostem.
- Eu sempre achei misterioso. Sempre gostei dessa coisa de viajar para as profundezas. As cavernas me assustavam e as pessoas selvagens e os monstros gigantes.
- Interessante.
- Depois, quando eu fiquei adolescente, eu sentia que eu viajava pra dentro de mim mesma. Pelos meus abismos, os meus medos, meus segredos, as coisas que eu escondia, as coisas que eu não queria encarar. E, mais tarde, eu li aquele livro do Gustavo Corção: Lições de Abismo. Você conhece?
- Já ouvi falar, mas não li o livro.
- É a história de um homem que está doente e sabe que vai morrer dentro de alguns meses. E todo o livro fala de como ele tenta se preparar pra isso, mas encontra muita dificuldade. Em certo capítulo, ele fala de Viagem ao Centro da Terra. É sobre o capítulo em que o professor Lindenbruck vai ensinar seu sobrinho Axel como fazer a escalada para descer na boca de um vulcão extinto, o Sneffels. Aquela é a entrada para o centro da terra. Para encontrar o misterioso alquimista Conde Saknussemm.
- Lições de abismo...
- É. A idéia do Professor é que Axel aprenda a lidar com a proximidade do abismo. Que aprenda a lidar com ele, a olhar pra ele, sem se apavorar, sem deixar que a vertigem tome conta.
- E você, aprendeu a lidar com o abismo?
- Não, mas, depois de tantas viagens interiores, eu já não tenho tanto medo.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS)
domingo, 16 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 19
Orassantas
Ambulo sônio,
Verberam ticências
Tênues júrias
Nublam zolhares
Zombam certelhas
Rememórias impersas
Ardevoram-se livívidas
Noitecem os sempres
Ofidiosamente retônicas
Incoerem-se nos hojes
Manhecem trosdias
Alirretóricas deletras
Despantam os medos
Reacordam sonhares
Vagasoras passadias
Demorosas, deleitícias
Pensaladas, vorticínias,
Marmergulham minha paz
Desterminam relembranças de você.
sábado, 15 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 19
Nelson Bortolin, conhecido pelos amigos como “Nelsinho” ou “Nérso”, é editor de Política do Jornal de Londrina, no qual trabalhei entre 1999 e 2004. Tive o privilégio de trabalhar com ele e, mais ainda, de vê-lo começar no jornalismo diário. Sempre competente, de um senso ético rigoroso e muito idealista, Nelsinho também é famoso por ser extremamente distraído. E porque sempre acontecem com ele aquelas coisas inacreditáveis, que a gente acha que não podem ser de verdade.
Uma das histórias mais engraçadas do Nelsinho é anterior ainda ao Jornal de Londrina. Aconteceu quando ele assessorava o Sindicato dos Professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Entidade bastante aguerrida e dominada pelas mulheres.
Certa noite, Nelsinho foi dormir na casa de um amigo. Foi de bicicleta, mochila nas costas, estilo bicho-grilo que cultivava. Durante o dia, o prédio do amigo tinha passado por uma dedetização, mas, à noite, tudo já parecia tranqüilo.
Mas não para as baratas.
Na calada da noite, os bichinhos terríveis encontraram na mochila aberta do Nelsinho um ninho mais seguro. E algumas dezenas delas acabaram se abrigando lá dentro.
No dia seguinte, Nelsinho acordou atrasado e saiu pedalando sob o sol quente de Londrina para uma reunião com a diretoria do Sindicato. Na correria, mal teve tempo de fechar a mochila ao sair.
A reunião já tinha começado quando ele chegou. Sentou-se à mesa, pegou o bloquinho de notas e a caneta, e deixou a mochila do lado. Não mais do que de repente, a primeira baratinha, sentindo-se segura, botou as anteninhas pra fora e deu alô. A mulherada levantou e ficou olhando torto para Nelsinho, que sorriu amarelo sem saber como explicar aquilo.
Não dava tempo mesmo: o batalhão de baratas começou, então, a sair, criando um verdadeiro pandemônio e interrompendo definitivamente a reunião. E as professoras saíam correndo, imaginando que Nelsinho, ou era algum maluco sujismundo criador de baratas, ou um tipo de terrorista malévolo patrocinado pelo governo.
sexta-feira, 14 de março de 2008
INVENTÁRIOS 18
Paralelos
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS")
Com a cabeça deitada sobre o peito de Ismael, Beth ouve o bater rápido do coração dele, que, aos poucos, vai desacelerando. O corpo quente e suado relaxa depois dos momentos de explosão de tensão e delícia, e vai entrando num torpor leve e delicado. A voz grave e ritmada de Ismael, divagando, faz Beth mergulhar ainda mais na sensação de relaxamento.
- O tempo parece parar nesses momentos – diz Beth – parece que só existimos nós dois e não tem mais nada lá fora.
- O tempo é uma construção relativa – responde Ismael.
- Eu não entendo nem como funciona um relógio, quanto mais essas coisas de relatividade.
- Mas têm um pouco de poesia nessas coisas todas. Veja, por exemplo, a teoria dos mundos paralelos.
- Isso parece coisa de Jornada nas Estrelas.
- É um negócio interessante e faz muito sentido.
- Hmmmm. Pra mim, não.
- A física quântica foi mergulhando cada vez mais fundo no mundo das partículas subatômicas até chegar nos quanta, que são as quantidades menores de energia que nós conseguimos medir. E os quarks, que são as menores partículas que pudemos observar. Acontece que, nesse nível, esses elementos se comportam ora como partícula, ora como energia. Um exemplo é o fóton, que é a partícula da luz, mas que também é onda. Ou seja, ao mesmo tempo matéria e energia.
- Quark, pra mim, são aqueles caras ultra-religiosos americanos, como aqueles da caixa de aveia.
- Aqueles são os quakers.
- É, tem razão. Eu nunca gostei de aveia, mesmo.
- O fato é que os cientistas fizeram várias experiências sobre essas coisinhas e elas estão sempre mudando de forma, de lugar e de direção do movimento. Em cada medição, elas eram partícula ou onda e estavam num lugar diferente, indo numa direção diferente. A impossibilidade de determinar a posição e a direção da partícula ao mesmo tempo é que gerou o famoso “Princípio da Incerteza” de Werner Heinsemberg. E, assim, alguns físicos acabaram chegando à conclusão de que realmente essas coisinhas minúsculas são as duas coisas ao mesmo tempo, partícula e onda, têm probabilidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo e de se deslocar para todos os lugares ao mesmo tempo.
- Nossa. Isso é surreal.
- Pois é. Mas isso explica porque os átomos, sendo feitos quase que só de nada, ou seja, a porção de matéria deles é ínfima em relação à órbita dos elétrons, e, mesmo assim, um não penetra no outro. Como a probabilidade da partícula-energia é estar em todos os lugares ao mesmo tempo, é como se a gente batesse numa coisa sólida.
- Interessante.
- E tem mais. Se a probabilidade é de que elas estejam em todos os lugares, o mundo tem infinitas possibilidades... E há infinitas possibilidades de mundos...
- Passei...
- É o seguinte: pense que uma leve mudança na posição de uma partícula dessas gera um mundo novo. Então, temos infinitos mundos diferentes. Pode haver um mundo em que nós não estamos aqui, nessa cama, juntos. Outro em que não fizemos amor há meia hora atrás. Outro em que brigamos. Outro em que somos dois homens. Outro em que somos uma pessoa só, ou somos três, dez, cem, mil.
- Entendi. São infinitas possibilidades e, também, infinitos mundos possíveis. Paralelos.
- Existe até uma experiência teórica chamada de suicídio quântico.
- Suicídio quântico? Nossa.
- Eles pensaram num cara tentando suicídio, tendo na mão um revólver que disparasse a bala apenas quando a medida da carga do quark, que é o que determina a direção do movimento dele, fosse negativa. Assim, quando o sujeito tentasse se matar, se a medida da carga fosse positiva, a arma fazia click, mas ele não morria. Se a carga fosse negativa, a bala saía e ele passava desta pra melhor.
- E aí?
- E aí que a cada vez que ele puxava o gatilho, a carga dava positiva e dava negativa também. Assim, o tempo se dividia em dois, seguindo num paralelo que, logo adiante se dividia em dois novamente e assim por diante. E sempre havia um sujeito morto e outro paralelo que sobrevive.
- Isso é coisa de maluco.
- Sem dúvida.
- Você fica mesmo pensando nessas coisas o tempo todo ou é só quando você tem algum problema muito sério.
- Não, eu gosto mesmo dessas coisas. Me faz bem, pensar nisso. E eu acho bonito. Tem até a teoria das cordas, que é quase música.
- O universo é feito de música. Taí, essa eu gostei mais.
- E nós somos feitos de que música?
- Que tal Across the Universe, dos Beatles?
- Sei de uma que tem mais a ver com toda essa conversa de física quântica que você falou.
- Qual?
- “Você é luz, é raio, estrela e luar...”
- “Manhã de sol, meu iaiá, meu ioiô..”
- Hahahaha.
- Agora você realmente ganhou o prêmio. Wando. Nossa. Quero ir urgente pra outro universo paralelo. Socorro. Hahahaha.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS")
quinta-feira, 13 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 18
Once in a Lifetime
Talking Heads ao vivo no show Stop Making Sense, nos anos 80. Faz falta essa verve irônica que David Byrne tinha na época.
Aliás, Byrne vai estar em Salvador no dia 16/09, no ciclo de palestras da Braskem intitulado "Arte e Linguagem na Cultura Contemporânea". Mas tem também outros pesos (mais) pesados como Bernard-Henri Levi (18/03), Wim Wenders (20/08) e Philip Glass (3/09).
quarta-feira, 12 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 18
ADVICE FROM A CATERPILLAR
(Chapter V - Alice in Wonderland - Lewis Carroll)
The Caterpillar and Alice looked at each other for some time in silence: at last the Caterpillar took the hookah out of its mouth, and addressed her in a languid, sleepy voice.“Who are you?” said the Caterpillar.
This was not an encouraging opening for a conversation. Alice replied, rather shyly, “I–I hardly know, Sir, just at present–at least I know who I was when I got up this morning, but I think I must have been changed several times since then.”
” What do you mean by that?” said the Cater-pillar, sternly. “Explain yourself!”
“I ca’n't explain myself, I’m afraid, Sir,” said Alice, “because I’m not myself, you see.”
“I don’t see,” said the Caterpillar.
“I’m afraid I ca’n't put it more clearly,” Alice replied, very politely, “for I ca’n't understand it myself, to begin with; and being so many different sizes in a day is very confusing.”
“It isn’t,” said the Caterpillar.
“Well, perhaps you haven’t found it so yet, said Alice; “but when you have to turn into a chrysalis–you will some day, you know–and then after that into a butterfly, I should think you’ll feel it a little queer, wo’n't you?”
“Not a bit,” said the Caterpillar.
“Well, perhaps your feelings may be different,” said Alice: “all I know is, it would feel very queer to me.” “You!” said the Caterpillar contemptuously.
“Who are you?”
Which brought them back again to the beginning of the conversation. Alice felt a little irritated at the Caterpillar’s making such very short remarks, and she drew herself up and said, very gravely, “I think you ought to tell me who you are, first.”
“Why?” said the Caterpillar.
Here was another puzzling question; and, as Alice could not think of any good reason, and the Caterpillar seemed to be in a very unpleasant state of mind, she turned away.
“Come back!” the Caterpillar called after her. “I’ve something important to say!”
This sounded promising, certainly. Alice turned and came back again.
“Keep your temper,” said the Caterpillar.
“Is that all?” said Alice, swallowing down her anger as well as she could.
“No,” said the Caterpillar.
Alice thought she might as well wait, as she had nothing else to do, and perhaps after all it might tell her something worth hearing. For some minutes it puffed away without speaking; but at last it unfolded its arms, took the hookah out of ils mouth again, and said “So you think you’re changed, do you?”
“I’m afraid I am, Sir,” said Alice. “I ca’n't
remember things as I used and I don’t keep the same size for ten minutes together!”
“Ca’n't remember what things?” said the Caterpillar.
“Well, I’ve tried to say `How doth the little busy bee,’ but it all came different!” Alice replied in a very melancholy voice.
“Repeat `You are old, Father William,’” said the Caterpillar.
Alice folded her hands, and began:-
“You are old, Father William,” the young man said,“And your hair has become very white;And yet you incessantly stand on your headDo you think, at your age, it is right?”
“In my youth,” Father William replied to his son,“I feared it might injure the brain;But, now that I’m perfectly sure I have none,Why, I do it again and again.”
“You are old,” said the youth, “as I mentioned before,And have grown most uncommonly fat;Yet you turned a back-somersault in at the door-Pray, what is the reason of that?”
“In my youth,”said the sage, as he shook his grey locks,“I kept all my limbs very suppleBy the use of this ointment-one shilling the box-Allow me to sell you a couple?”
“You are old,” said the youth, “and your jaws are too weakFor anything tougher than suet;Yet you finished the goose, with the bones and the beak-Pray, how did you manage to do it?”
“In my youth,” said his father, “I took to the law,And argued each case with my wife;And the muscular strength, which it gave to my jawHas lasted the rest of my life.”
“You are old,” said the youth, “one would hardly supposeThat your eye was as steady as ever;Yet you balanced an eel on the end ofyour nose-What made you so awfully clever?”
“I have answered three questions, and that is enough,”Said his father. “Don’t give yourself airs!Do you think I can listen all day to such stuff?Be off, or I’ll kick you down-stairs!”
“That is not said right,” said the Caterpillar.
“Not quite right, I’m afraid,” said Alice, timidly: “some of the words have got altered.”
“It is wrong from beginning to end,” said the Caterpillar, decidedly; and there was silence for some minutes.
The Caterpillar was the first to speak.
“What size do you want to be?” it asked.
“Oh, I’m not particular as to size,” Alice hastily replied; “only one doesn’t like changing so often, you know.”
“I don’t know,” said the Caterpillar.
Alice said nothing: she had never been so much contradicted in all her life before, and she felt that she was losing her temper.
“Are you content now?” said the Caterpillar.
“Well, I should like to be a little larger, Sir, if you wouldn’t mind,” said Alice: “three inches is such a wretched height to be.”
“It is a very good height indeed!” said the Caterpillar angrily, rearing itself upright as it spoke (it was exactly three inches high).
“But I’m not used to it!” pleaded poor Alice in a piteous tone. And she thought to herself “I wish the creatures wouldn’t be so easily offended!”
“You’ll get used to it in time,” said the Caterpillar; and it put the hookah into its mouth, and began smoking again.
This time Alice waited patiently until it chose to speak again. In a minute or two the Caterpillar took the hookah out of its mouth, and yawned once or twice, and shook itself. Then it got down off the mushroom, and crawled away into the grass, merely remarking, as it went, “One side will make you grow taller, and the other side will make you grow shorter.”
“One side of what? The other side of what?” thought Alice to herself.
“Of the mushroom,” said the Caterpillar, just as if she had asked it aloud; and in another moment it was out of sight.
Alice remained looking thoughtfully at the mushroom for a minute, trying to make out which were the two sides of it; and, as it was perfectly round, she found this is a very difficult question. However, at last she stretched her arms round it as far as they would go, and broke off a bit of the edge with each hand.
“And now which is which?” she said to herself, and nibbled a little of the right-hand bit to try the effect. The next moment she felt a violent blow underneath her chin: it had struck her foot!
She was a good deal frightened by this very sudden change, but she felt that there was no time to be lost, as she was shrinking rapidly: so she set to work at once to eat some of the other bit. Her chin was pressed so closely against her foot, that there was hardly room to open her mouth; but she did it at last, and managed to swallow a morsel of the left-hand bit.
Dica: pra quem quer ver mais imagens sobre Alice in Wonderland, aqui vai um endereço: http://www.flickr.com/photos/storynory/1417217307/
Caterpillar Girl (The Cure)
"your flames
the flames that kiss me dead
dust my lemon lies
with powder pink and sweet
the day i stop
is the day you change
and fly away from me
cata cata cata!
caterpillar girl"
terça-feira, 11 de março de 2008
INVENTÁRIOS 17
O. R. U.?
(Continuação da série de posts "INVENTÁRIOS)
- Boa noite – disse calmamente o homem de terno branco.
- Puxa, você é sempre rápido – respondeu Beth - é só pensar na pergunta e chamar, que você já aparece.
- Pois é, eu tinha dito como era.
- Vou acabar me acostumando mal. Quando eu me sentir sozinha e quiser conversar com alguém, vou acabar chamando você.
- Só venho se você tiver uma pergunta importante.
- Tenho. Tenho sim. Quero saber do que eu sinto tanta falta na minha vida. Saber por que eu sinto esse vazio dentro de mim, como se sempre tivesse faltando alguma coisa. Isso me deixa mal.
- Explique melhor.
- Já faz algum tempo que eu me sinto uma espécie de homem invisível. E eu me pergunto quando é que eu fiquei invisível? Parece que as pessoas olham pra mim, mas ninguém me vê realmente. E eu, também, às vezes, não me enxergo. Eu até esqueço como é o meu rosto, como eu sou. Tenho que ir até o espelho e me olhar pra lembrar de como é o meu rosto.
- Hmmmmm...
- Tem aquela famosa frase de Decartes: “Penso, logo existo”.
- Sim.
- Pois é, pra mim parece que isso não é suficiente. Parece que eu preciso que alguém pense em mim pra que eu exista. Que alguém me ligue, me mande um e-mail, me chame no MSN, ponha um “scrap” no meu Orkut, mande uma mensagem no celular, sei lá...
- Você precisa dos outros pra existir, é isso?
- É. Parece que é. Parece que eu preciso que os outros me digam quem eu sou. Eu sinto um buraco onde devia haver um eu.
- Eu? Já falamos sobre isso antes, não?
- É, mas eu não tenho certeza se eu entendi bem.
- Veja, você está sempre voltada para fora. Olha os outros e espera que os outros te olhem. Ama os outros e espera que os outros te amem. São as pessoas à sua volta que dizem quem você é, do que você deve gostar, o que deve fazer, como é ser legal, bacana, bonita, possível de ser amada.
- É isso.
- Você conhece Alice no País das Maravilhas?
- Conheço. Adoro o livro. E o filme da Disney também.
- Você lembra o que a lagarta respondeu a Alice quando ela perguntou onde ela estava?
- "O" "r" "u"? Em inglês: who are you? Ela devolveu a pergunta.
- E depois, quando ela queria saber qual o caminho a tomar?
- Quem é você? Ela perguntou de novo: o r u.
- Então, a resposta para a sua pergunta é muito fácil.
- É?
- Quer saber o que falta na sua vida?
- Quero. O quê é?
- Falta o personagem principal. Falta você.
(Continua na série de posts "INVENTÁRIOS)
segunda-feira, 10 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 17
O Imperador
A carta de número quatro do Tarô é o Imperador, o princípio masculino ativo. Ele representa o mundo racional dominando o mundo material. O poder advindo da inteligência, que domina o mundo e o molda com sabedoria. Não é uma inteligência fria, mas criativa e conhecedora das propriedades e usos dos quatro elementos.
O número quatro é o símbolo do equilíbrio entre os quatro elementos e as quatro direções. Mas, nesse caso, o equilíbrio não tem a ver com passividade, mas com movimento.
Um dos personagens mitológicos que pode ser identificado com essa carta é o deus grego Zeus, que conquistou seu trono ao derrotar o próprio pai, Cronos, o tempo. Zeus representa o poder consciente e Cronos é o tempo indiferenciado. Da própria cabeça de Zeus nasceu, mais tarde, a deusa Atena, da sabedoria.
Outro personagem mitológico similar é o deus nórdico Odin, que trocou um de seus olhos pela sabedoria. Também conquistou seu trono com muita luta e considerava a sabedoria condição fundamental para isso. O símbolo animal tanto de Zeus como o de Odin é a águia.Dentro do mito heróico, o Imperador representa o pai do herói, ou este já com mais idade. Representa a força do céu, do sol, do mundo racional e consciente.
domingo, 9 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 17
A Dona-de-Casa reclamou do tempo perdido e do tempo ainda a se perder em cada um dos incontáveis e improváveis dias.
A Gorda pensou nos números que a balança teimava em dizer que a faziam menos bonita aos olhos dos outros.
Mas a Garota Rebelde sabia de todas as coisas que viriam e por isso não tinha medo de nada que ainda não conhecia.
A Loira, que já fora um pouco grisalha e pintara e repintara seus cabelos várias vezes, teve vontade de chorar, mas preferiu esperar o final da novela.
A Esposa Solitária cantou uma velha cantiga como quem espanta da consciência fantasmas que sussurram verdades insuportáveis.
A Menina um dia disse que todos os seus sonhos se tornariam realidade, mesmo sem ter certeza de que era isso mesmo o que queria.
A Devota rezou e perdeu a fé e rezou mais e perdeu a fé novamente, até que conseguiu achá-la num programa de rádio da madrugada.
A Amante sentiu o corpo arder de desejo, mas a pele fria e abandonada sentiu como se as paredes do universo infinito fossem a própria carne do ser desejado.
A Namorada lembrou de uma música que dançara agarradinha e recordou como é bom amar e ser correspondida, mesmo que só de mentirinha.
A Mais Amada de todas forçou o incômodo sorriso como se fechasse as cortinas da alma, guardando o sol lá dentro e acendendo a tênue lâmpada lá fora.
A Feminista jurou que não mais sentiria medo dos homens e da sua eterna mania de assaltar fortalezas, roubar almas e não fazer prisioneiras.
Enquanto isso, a Submissa não entendia como seria possível viver num mundo sem ter alguém para lhe dizer o que pensar e o que fazer.
A Bruxa rogou pragas, pronunciou estranhos encantamentos e dominou um mundo deserto e evasivo com seus poderes absolutos.
A Devoradora de Homens limpou o sangue dos lábios e recontou mais uma vez os ossos que guardava num relicário como jóias de uma coroa de rainha.
A Despreocupada sorriu e resolveu esquecer os pensamentos tristes arrumando a gaveta das calcinhas perdidas.
A Velha Senhora Que Ainda Chegaria não sabia mais onde estavam as fotos que lhe lembravam de um passado que não tinha mais certeza ser seu.
A Vazia nada tinha a acrescentar ao mundo e por isso foi dormir mais cedo todas as noites.
A Bêbada gargalhou dentro da noite e se reconfortou com as mesmas mentiras engarrafadas, num eterno ciclo de auto-condenação e autocomiseração.
A Mãe sentiu um aperto lá dentro ao ouvir ecos de chorinhos e risadas num quarto já vazio.
A Princesa correu até a janela da torre e procurou no horizonte, em vão, pelo brilho das armaduras e espadas prometidas pela tela gigante da sessão vespertina.
A Amarga não soube o que fazer quando as flores do jardim coloriram de frescor seus pensamentos proibidos.
Aquela que Fora Professora quando jovem parou para refletir sobre tudo o que havia ensinado e descobriu que teria sido mais fácil não aprender nada.
A Pensativa tentou entender como a alma faz para que todas as experiências da vida se relacionem em essência e substância dentro da consciência.
A Sensível divisou poemas se materializando à sua volta em nuvens de perfume que saíam do seu próprio corpo.
A Fascinante contou estórias de sonhos e encontros místicos, falando sempre sobre algo além daquilo que pode ser visto ou tocado.
Então, a Mais Forte de Todas Elas levantou-se do sofá e viu no espelho uma multidão de almas se encontrando em seu olhar. E gostou do que viu.
E a Mulher decidiu que dali em diante seu nome seria Única e juntou os milhares de pedaços de um único e cansado coração no mesmo peito apesar de todo escuro e de todo frio, e apesar de bilhões de homens estarem dormindo naquele exato momento, sem poder captar a imensa e absurda magia daquele instante.
Wilson Gasino
sábado, 8 de março de 2008
INVENTÁRIOS 16
Who made who?
(Continuação da série de posts "Inventários")
Mesa do bar Valentino. Beth conversa com Ismael e com um casal de amigos, Teresa e Dinho. Ela é jornalista e ele cursou psicologia junto com Beth. A conversa varia sobre diversos temas, que vão desde falar mal de pessoas chatas e arrogantes, até divagações sobre política e futebol. No momento, falam sobre música.
- Gosto de Los Hermanos. Principalmente do Bloco do Eu Sozinho. Todo o Carnaval Tem Seu Fim. Acho uma coisa diferente na música brasileira - observa Teresa, comentando a música cantada pelo rapaz com um violão, no pequeno palco do bar.
- Que coisa nova o quê. É uma releitura de várias coisas antigas, que vão desde bossa nova e samba, até o rock inglês dos ano 80 e 90. É Nara Leão misturado com The Smiths e Coldplay - replica Dinho.
- Se for pensar desse jeito, tudo hoje é mistura de alguma coisa. Nos anos 90 acho que já era assim também - emenda Beth - hoje de manhã eu tava ouvindo Madeleine Peyroux. É pura Billie Holliday. É imitação descarada.
- Não quero decepcionar vocês, mas a gente vive no tempo do sampler e do remix. Tudo agora é a uma revisão de algo antigo, um retalho colado a outros retalhos, tentando parecer algo novo. Aliás, desde os Beatles não tem nada de novo na música – intervém Ismael.
- Até os Beatles tiveram suas influências, cara. Folk music, blues, clássicos – aponta Dinho.
- Mas eles desenharam um caminho por onde todos vieram depois – acrescenta Teresa.
- Será que eles tinham noção disso? - Pergunta Ismael.
- Como assim? – Pergunta também Beth.
- Será que não foram as releituras posteriores é que foram acrescentando novas significações e que enriqueceram o trabalho deles? – Responde Ismael com outra pergunta.
- É uma teoria interessante – dá de ombros Teresa.
- Não é minha. Vários filósofos da cultura já falaram sobre isso, principalmente na literatura. É a idéia de que a obra se completa com o olhar do leitor e quanto mais rica e generosa for a sua interpretação, mais a sua obra cresce – prossegue Ismael.
- Li um conto do Jorge Luis Borges sobre isso. Ele fala de um cara que quer reescrever o Quixote, 200 anos depois de Cervantes. Palavra por palavra. Mas esse maluco, chamado Pierre Menard, simplesmente não consegue. E Borges, construindo seus velhos labirintos, vai nos provando que escritores posteriores influenciaram seus antecessores – conta Dinho.
- É mais ou menos lógico. Como alguém que vê um filme do Godard e só depois vê pela primeira vez um Hitchcock. É o nosso olhar que fica influenciado – lembra Teresa.
- Como alguém que ouvisse a Madeleine primeiro e depois Billie Holliday e achasse que ela é que imita – brinca Beth.
- Mas, então, a gente nunca vai poder dizer que tem uma música do nosso tempo? - questiona Dinho.
- A gente só vai saber disso depois. O poeta Baudelaire dizia que a obra prima é aquela que ao mesmo tempo fala uma coisa do seu tempo e outra que é essencial a todas as épocas. Ou seja, ao mesmo tempo que ela é eterna, você também pode localizá-la exatamente no tempo dela – cita Ismael.
- Então a gente não tem uma cultura. Tem retalhos requentados de culturas mais antigas? – ironiza Beth.
- E se sempre foi assim? E se é a gente que se acha tão desenvolvido e importante que resolve achar que é diferente? E se tudo for igual ao que sempre foi? A gente se reinventando sempre. O tempo todo vasculhando os bolsos dos defuntos atrás de um trocado, de uma boa idéia... – argumenta Dinho
- Acho que a gente não vai conseguir responder essa pergunta numa mesa de bar – interrompe Teresa.
- Muita coisa boa já saiu de uma mesa de bar... – insiste Ismael.
- Não sei de vocês, mas nesse momento, a única coisa que eu quero é outra cerveja e que esse cara que tá cantando pare de tentar imitar o Djavan – reclama Beth.
- Essa é a pôrra da cultura remix – segue Dinho, rindo. E os outros concordam e riem também, enquanto Beth pede outra cerveja e faz caretas imitando o cantor.
(Continua na série de posts "Inventários")
sexta-feira, 7 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 16
Nos desnudaram hoje
Nos desnudaram hoje,
Nos desarmaram,
Nos revelaram,
Nos desferiram golpes sem dó.
Nos desnudaram hoje,
Nos desmentiram,
Nos esmagaram,
Nos reduziram a pó.
Nos desnudaram hoje,
Nos desvendaram,
Nos descobriram,
Nos desataram o nó.
Nos desnudaram hoje,
Nos decantaram,
Nos definiram,
Nos transformaram num só.
Wilson Gasino
quarta-feira, 5 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 16
O “Esquecedor” e a Sociedade da Informação
Wilson Gasino
Obs.: Este é um artigo que eu escrevi para a revista Hottopos, de Filosofia, há 10 anos atrás. As coisas só se acirraram desde então e o texto se torna interessante para entender o papel do jornalista e demais profissionais que lidam com a informação nos tempo da internet. Tanto que acabou sendo citado em várias teses de pós-graduação e mestrado (algumas disponíveis na internet). É longo demais para um blog, mas acho que vale a pena ler.
Os avanços da eletrônica neste século mudaram a forma como as pessoas têm acesso e lidam com a informação. O telégrafo, o telex, o rádio, a televisão, o fax e, nas últimas décadas, a Internet, abriram um mundo novo, possibilitando ao ser humano receber em pouco tempo um volume de informações inimaginável no passado.
Essa aceleração da informação trouxe enormes benefícios em termos de avanço científico, comunicação, lazer, processamento de dados e busca do conhecimento. Mas também trouxe ao ser humano o dilema da saturação da informação. A máquina, substituindo o papel, passou a ser a forma mais prática e fácil de acumular e gerenciar dados. A máquina passou a ajudar o homem a se lembrar, ampliando a capacidade de memória da humanidade.
O homem, definido pelo poeta clássico grego Píndaro como "aquele que esquece", "o esquecedor", pensou que a máquina poderia ajudá-lo a lembrar. Mas a máquina multiplicou o número de informações com que o homem lida a cada dia, chegando a níveis absurdos. Hoje, uma pessoa pode ter acesso num só dia a um número equivalente de informações aos quais um indivíduo teria a sua vida inteira na Idade Média. De acordo com uma pesquisa recente feita pela Price Waterhouse, o volume de conhecimento necessário para se manter atualizado no mundo dos negócios dobra a cada ano.
São milhões de bits, ondas, cifras, códigos, imagens, símbolos, sons e signos que se fendem, multiplicam, misturam e sobrepõem a cada segundo, gerando, às vezes, muito mais confusão do que esclarecimento. A informação que vale neste instante pode não valer no próximo e, olhe lá ela, voltando, travestida de novidade verdadeira em apenas um segundo.
Os cérebros se tornam verdadeiras esponjas, onde a informação entra num momento e, já descartável, é atirada ao lixo da memória, logo em seguida. As pessoas se expõem ao estresse informativo, recebendo esse bombardeio desordenado, sem ter controle sobre isso e sem saber como se proteger, ou, pelo menos, como selecionar de maneira correta. O jornalista passa, então, a ter uma importância fundamental nesse contexto, tornando-se ao mesmo tempo o indivíduo mais atingido, o maior propagador dessa situação, e um dos principais encarregados de tornar esse panorama confuso um pouco mais organizado para as outras pessoas.
Esse cenário de caos é uma das faces da sociedade da informação, que uniu a era da informática ao consumismo desenfreado. A informação transforma-se em objeto de consumo imediato, tão descartável quanto um chiclete ou uma lâmina de barbear. Ela é processada de forma industrial: produzida, montada, embalada, enviada e vendida como unidade autônoma e separada de qualquer contexto.
A sociedade da informação herda o paradigma do universo do mundo moderno, em que, como disse Marx, tudo o que é sólido se volatiliza. Esse conceito foi aprofundado por Marshall Berman em seu livro "Tudo o que é sólido se desmancha no ar". No livro, Berman nos diz que a modernidade que une todo o gênero humano é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: "envolve-nos a todos num redemoinho perpétuo de desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia".
Nesse mundo, não há um processo de transformação que contextualize e interligue a informação volátil, transformando-a em conhecimento real, sólido e resistente às flutuações dos números, fatos, opiniões e emoções. A informação acaba se destacando e se diferenciando da fonte de tal maneira que só passa a importar o "que se diz" e não mais o "como se diz". A informação torna-se ferramenta num estreito conceito de funcionalismo semiótico, não deixando espaço nem tempo para interpretações.
Ou seja, ao desprender-se totalmente da fonte e não possibilitar ao receptor a sua decodificação e interpretação, a informação deixa de ser mensagem e passa a ser estímulo pontual num oceano de "infocommoditties". A informação não carrega valores, não tem raízes culturais e, como o capital volátil que flutua pelos mercados financeiros do mundo, não tem pai, pátria, ou patrão.
Por outro lado, a informação recebida sem carimbo de origem também tem dificuldade em procurar espaço dentro da memória do receptor. Não há identidade e por isso não há identificação. Os conteúdos se perdem, nada acrescentam e não encontram raízes emocionais ou intelectuais onde se firmar. A informação permeia a mente e o espírito, perdendo-se novamente no vórtice sem deixar vestígio. Tudo isso para ser substituída em tempo real por uma nova informação passageira, como numa corrente frenética de milhões de elétrons.
Mas o receptor não fica incólume ao processo e à dificuldade de reconhecer, absorver e assimilar a informação, tornando-a conhecimento. Esse processo contínuo faz com que ele também perca suas noções mais sólidas da própria identidade e sua relação com a realidade. O maremoto da informação distorce a percepção do mundo e desfoca o processo de auto-referência, criando realidades momentâneas repicadas e alternantes como um caleidoscópio de 360 graus.
Essa perda da auto-referência no oceano da informação fragmentária hipnotiza o ser e alija de sentido a existência. A velocidade sobrepuja o espírito crítico, e a necessidade de conexão com a massa, já que a posse de certas informações é emblemática para a participação em determinados grupos sociais, absorve a consciência.
Como afirmou o pensador francês Raymond Queneau, perdeu-se a identidade entre o conhecimento adquirido e aquilo que se é no fundo; quebrou-se o elo entre aquilo que se sabe verdadeiramente e aquilo que se pensa que se sabe. Isto é, chegamos à perda do significado do saber que permite ao receptor o reconhecimento da sua identidade própria.
O redemoinho substitui a vida, substitui a experiência do real e dificulta a construção e a manutenção de valores duradouros. Os valores se volatilizam como a informação, tornando-se móveis e adaptáveis de acordo com as situações, que, de certa forma, também são manipuláveis do ponto de vista do sujeito.
Nesse turbilhão, torna-se uma tarefa difícil colocar a cabeça para fora do mar de informações e emergir numa nova realidade. Como no filme "Matrix", em que o protagonista "Neo" consegue vislumbrar, ao menos por um instante, o falso tecido que envolve o mundo, formado por milhões de bits. No filme, o personagem consegue, então, ver uma nova realidade, onde o próprio homem decide sua vida e suas ações, enxergando além daquilo que lhe é imposto como realidade.
Esse salto para fora do turbilhão só pode acontecer dentro de um processo consciente de avaliação daquilo que absorvemos. Uma espécie de desaceleração seletiva, procurando dar sentido à informação. Nesse processo, a figura do jornalista e de todos os chamados formadores de opinião, que, de certo modo, servem de referência no processo de busca da informação, é fundamental.
Tal papel deve abranger desde a seleção da informação, até o processamento, valoração e organização, de forma a dar sentido àquilo que se transmite e, assim, dar sentido também ao mundo que nos cerca. Esse papel inclui a valorização do indivíduo receptor e da sua capacidade de avaliar e assimilar criticamente aquilo que lhe é oferecido. Um receptor que também deve ser capaz de processar e retransmitir o que entendeu, acrescentando a sua participação.
O processo deve ter como foco a interligação do indivíduo com o todo, e a valorização das duas partes. Afinal, o objetivo do indivíduo deve ser o desenvolvimento da humanidade, e o objetivo da humanidade deve ser a realização do indivíduo.
A aceleração da informação é importante e alimenta o mundo. Mas para que ela seja realmente útil e traga crescimento ao ser humano, essa informação deve trazer componentes racionais e emocionais úteis ao processo de desenvolvimento da pessoa. Assim, o "esquecedor" poderá esquecer mais uma vez aquilo que aprendeu ontem, mas já não será mais o mesmo. Ele seguirá mudado, da mesma maneira que o homem que se banhou no rio e do rio que lavou o homem.
terça-feira, 4 de março de 2008
INVENTÁRIOS 15
Lisabeta
(Continuação da série de posts “INVENTÁRIOS)
Beth, minha querida Beth,
Os últimos três meses (isto é, desde que eu te conheci) têm sido muito bons pra mim. Tenho aprendido muito e cada novo dia é uma surpresa maravilhosa. Entendo muito bem a sua dificuldade em confiar, em se entregar. Ontem, escrevi esse poema pensando em você.
do seu
Ismael
I
É preciso ser Beth
Assim como é preciso
Caminhar, ver, ouvir e sonhar,
É preciso respirar o mundo,
Como se não houvesse
Outra forma de ser ela mesma.
É preciso que as palavras
Tenham muitos sentidos
E não façam sentido algum,
Além daquele
Que não faça sentido
Além dos silêncios da alma.
Ela me disse que tinha medo
De um dia enlouquecer,
Se não fosse o riso,
Se a vida não fosse
A própria síntese da loucura.
II
É preciso ser Beth
Assim como é preciso
Ser forte sendo tão delicada,
É preciso ouvir os próprios passos,
Como se não houvesse
Outra forma de ser ela mesma.
É preciso que os pensamentos
Tenham muitas direções
E não busquem direção nenhuma,
Além daquela
Que não busca direção
Além dos caminhos do ser.
Ela me disse que tinha medo
De um dia se entregar
Se não fosse a dúvida,
Se a vida não fosse
A própria síntese da entrega.
III
É preciso ser Beth
Assim como é preciso
Romper, manter, guardar e mudar,
É preciso dobrar cada esquina,
Como se não houvesse
Outra forma de ser ela mesma.
É preciso que os sentimentos
Tenham muitas explicações
E não tenham qualquer explicação,
Além daquela
Que não tem explicação
Além das luzes do coração.
E ela me disse que tinha medo
De um dia se encontrar
Se não fosse o tempo,
Se a vida não fosse
A própria síntese do encontro.
IV
É preciso ser Beth
Assim como é preciso
Espelhos, labirintos e janelas,
É preciso reinventar cada olhar,
Como se não houvesse
Na vida, no mundo, no tempo,
Na alma, no ser, no coração,
No silêncio, no caminho, na luz,
Outra forma de ser Beth.
(Continua na série de posts “INVENTÁRIOS)
segunda-feira, 3 de março de 2008
IMPERMANÊNCIAS 15
Torta de Aspargos com Gorgonzola
Esta é uma receita bem fácil e gostosa. Para servir com uma salada de folhas verdes, com rúcula e tomate seco, acompanhada por um bom vinho tinto. Eu mesmo inventei a receita experimentando com os ingredientes. Por isso, você também pode tentar variações com o recheio e acrescentar o seu próprio tempero. Afinal, como diz o mestre cozinheiro Auguste Gusteau (Ratatouille), "qualquer um pode cozinhar"...
Aí vai:
Ingredientes:
200 g de aspargos em conserva (aquele branquinho)
100 g de queijo prato
100 g de queijo gorgonzola
30 g de queijo parmesão ralado
500 g de farinha de trigo
200 g de maionese light
200 ml de creme de leite light
1 colher de margarina
1 gema de ovo
Preparo:
Misture a maionese aos poucos com a farinha de trigo até a massa ganhar consistência e se tornar moldável. Essa é a famosa “massa podre”. Pode ser feita também com óleo de soja, canola ou outros óleos comestíveis. Prefiro a maionese light pelo sabor e porque fica mais leve.
Depois da massa pronta, separe dois terços dela e molde no fundo e lados de um refratário de aproximadamente 30 cm. Reserve o restante da massa para cobrir.
Para fazer o recheio, derreta a colher de margarina numa frigideira e frite os aspargos até ficarem dourados e começarem a se desmanchar. Então, adicione o queijo prato e o gorgonzola picados. Quando começarem a derreter, desligue a frigideira e acrescente o creme de leite, mexendo até misturar bem. Adicione sal ao seu gosto.
Despeje o recheio dentro da torta no refratário e feche com o restante da massa. Espalhe a gema do ovo sobre a torta e polvilhe com o parmesão ralado.
Pré-aqueça o forno por 10 minutos e deixe assar por cerca de 30 minutos a 200 graus. Está bom quando a parte de cima estiver dourada. Depois de retirar, deixe esfriar por 10 minutos antes de servir.
O rendimento é para três a quatro pessoas, mas é só aumentar na proporção os ingredientes para servir mais.
Bom apetite!!
domingo, 2 de março de 2008
IMPERTINÊNCIAS 15
Like A Hurricane
Neil Young
Once I thought I saw you
in a crowded hazy bar,
Dancing on the light
from star to star.
Far across the moonbeam
I know that's who you are,
I saw your brown eyes
turning once to fire.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer
where the feeling stays.
I want to love you but
I'm getting blown away.
I am just a dreamer,
but you are just a dream,
You could have been
anyone to me.
Before that moment
you touched my lips
That perfect feeling
when time just slips
Away between us
on our foggy trip.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer
where the feeling stays.
I want to love you but
I'm getting blown away.
You are just a dreamer,
and I am just a dream.
You could have been
anyone to me.
Before that moment
you touched my lips
That perfect feeling
when time just slips
Away between us
on our foggy trip.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer
where the feeling stays.
I want to love you but
I'm getting blown away.