Sobre Eu Sou a Lenda, Ionescu e Saramago
Fui ver o filme “Eu Sou a Lenda” no cinema. Não é um grande filme, mas é um bom entretenimento e possibilita alguma reflexão. O tema não é novo: a resistência ao processo de desumanização. Desde Ulisses lutando para não virar porco nas mãos da feiticeira Circe, para poder continuar sua Odisséia, até os rinocerontes do teatro de Ionesco e as hienas de Bráulio Pedroso, bem como o Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago, muitas vezes foi revisitado o mito do ser humano que luta contra a bestialização. Um processo representado por algo que vem de fora e que encontra seu eco lá dentro.
Se olharmos à nossa volta, para a banalização da violência, para a brutalização dos sentimentos, para a cada vez maior e mais “justificada” redução do outro a objeto, para a limitação da Vida à satisfação gerada por prazeres fugazes e vazios, vemos que os vampiros lendários estão soltos por aí. Porque quando reduzimos o outro a objeto, sem direito à subjetividade e às suas próprias vontades, desejos e sentimentos, ele se torna simples instrumento ou obstáculo para as nossas satisfações.
Nesse processo, pouco importa se faço sofrer ou causo dano, desde que obtenha minha satisfação. É esse raciocínio que “justifica” o estupro, o latrocínio, o assassinato, a mentira e a traição. E é também esse raciocínio que oferece “alívio” à consciência para os crimes por atacado, como o desvio de recursos públicos, as ações lesivas aos consumidores e a destruição de recursos naturais. Nesses casos, as coisas também são facilitadas porque não são vistos os rostos, nem conhecidos os nomes.
É óbvio que é impossível o tempo todo considerar a alteridade, mas há uma simples palavra que possibilita ter uma medida sobre o quanto estamos considerando o outro em sua subjetividade: respeito. Isso implica em ver o outro como uma pessoa completa como se vê a si mesmo. Até mesmo o amor, sem respeito, pode ensejar posse, uso, invasão de limites e anulação. Vai aí embaixo uma música, de uma banda chamada Marillion, que fala algo sobre o tema:
AFRAID OF SUNLIGHT(
http://uk.youtube.com/watch?v=nVPE6EOreFw)Drive the road to your surrender
Time comes around... out of my hands
Small boats on the beach at the dead of night
Come and go before first light
Leave me running in the wheel
King of the world
How do you feel?
What is there to feel?
So how do we now come to be
Afraid of sunlight?
Tell me girl why you and me
Scared of sunlight?
Been in pain for so long
I can't even say what hurts anymore
I will leave you aloneI will deny
I will leave you to bleed
I will leave you with your life
So how do we now come to be
Afraid of sunlight?
Tell me girl why you and me
Scared of sunlight?
All your spirit rack abuses
Come to haunt you back by day
All your Byzantine excuses
Given time, given you away
Don't be surprised when daylight comes
To find that memory prick your thumbs
You'll tell them where we run to hide
I'm already deadIt's a matter of time
So how do we now come to be
Afraid of sunlight
How do we now come to be
Afraid of sunlight
Day-Glo Jesus on the dash
Chalk marks on the road ahead
Friendly fire in hostile waters
Keep the faith
Don't lose your head
So how do we now come to be?
O outro ladoQuase sempre a raiz da falta de respeito com o outro é a falta de amor para consigo mesmo. Afinal, já disse Jesus: “Amar o próximo como a si mesmo”. Se não me amo e me respeito, como
posso amar o outro? A culpa e o perfeccionismo são sintomas dessa falta de amor próprio. Os filmes “Desejo e Reparação” e “O Caçador de Pipas” falam sobre isso.
Os dois tem estórias muito boas de erro e busca da reparação, da redenção, do auto-perdão. Cada um traz uma solução diferente para o problema e os dois mostram que há ainda mais beleza nas coisas profundas do ser humano. Também são muito bons como cinema. Têm uma pitadazinha de pieguice, mas dá pra encarar. Vale a pena ver.